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DISCRIMINAÇÃO CONTRA PESSOAS COM AUTISMO PODERÁ SER RELATADA VIA DISQUE-DENÚNCIA

A Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados aprovou, no último dia 13 de junho, um projeto de lei que obriga o Poder Público a criar um disque-denúncia de ações contra pessoas autistas. O canal será disponibilizado em âmbito nacional através de um número composto por três dígitos. Após serem registradas, as reclamações serão encaminhadas às autoridades competentes.

O texto aprovado é um substitutivo da deputada federal Geovânia de Sá (PSDB/SC) ao PL 1688/2019 do deputado federal Célio Studart (PV/CE). O projeto original incentivava a criação de um mecanismo de denúncia por meios eletrônicos em lugares específicos como escolas, caso alguma criança autista tivesse a matricula recusada. No entanto, a deputada entendeu que o combate à discriminação contra pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista) não poderia limitar-se apenas aos ambientes escolares, mas que deveria ser expandido nacionalmente.

O disque-denúncia será um canal gratuito. Impedimento na contratação de planos de saúde ou cobertura negada, ou ainda, a discriminação destes no mercado de trabalho, são algumas das ações que poderão ser denunciadas. A criação do canal será incorporada à Lei 12.764/12, conhecida como Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Logo, o canal poderá ser utilizado por autistas ou seus responsáveis sempre que a Política de Proteção for desrespeitada.

Para escolas que recusarem a matricula de estudantes autistas, a Lei 12.764 já prevê multa de 3 a 20 salários mínimos contra a gestão. O PL agora será analisado em caráter de urgência pelas Comissões de Educação e de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados. No Brasil, além da Política Nacional, os autistas são amparados pela Lei 13.146/2015, conhecida como Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.

No Brasil, a estimativa é que exista mais de dois milhões de autistas. Esse grupo da população enfrenta diariamente o preconceito e a indiferença de boa parte da sociedade que, na maioria das situações, por falta de informação, não consegue lidar com as diferenças. O Transtorno do Espectro Autista atinge pessoas de todas as idades e classes sociais, porém, para famílias de baixa renda, lidar com as dificuldades impostas por esse transtorno é mais difícil ainda.

Para crianças e adolescentes, a dificuldade de inserção social e do próprio relacionamento com os outros são os maiores obstáculos enfrentados. Quando adultos, autistas têm dificuldades para conseguir emprego, se relacionarem socialmente e ainda enfrentam a falta de acessibilidade em espaços públicos e coletivos.

A escola como ambiente acolhedor

De acordo com o Censo Escolar, divulgado anualmente pelo Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2018, o número de estudantes com autismo matriculados em classes comuns no país foi de 105.842. O número é um retrato da obrigatoriedade legal das escolas em não recusarem a matricula. Porém, o número de crianças e adolescentes autistas é muito maior que o número daqueles que estão estudando. Muitos, portanto, ainda permanecem nas suas casas, sem terem a mesma oportunidade que as demais crianças e adolescentes.

Para Keila Espíndola, psicopedagoga do Colégio Objetivo de Brasília, muitas escolas ainda têm dificuldade em adaptar a rotina da instituição às necessidades de cada estudante, especialmente quando exigem mais atenção e tempo por parte dos profissionais, como é o caso dos estudantes autistas. “É muito comum as escolas tentarem negar a matrícula para algum educando, principalmente aqueles que forem diagnosticados com algo que requeira uma atenção diferenciada da escola, que exija alguma mudança na rotina comum do ambiente”, explica a psicopedagoga.

Segundo Keila, as escolas têm a obrigação legal de criar ações que incluam os autistas e que os ajude a desenvolverem suas habilidades cognitivas e de sociabilidade. “A Instituição de ensino é o primeiro lugar onde o aluno vai ter uma vida social fora do ciclo familiar, e se neste ambiente este aluno não for atendido de forma efetiva, isso pode acarretar uma série de dificuldades ao longo da vida. A escola precisa criar estratégias para que esse atendimento ao estudante autista seja efetivo, adequado e inclusivo”, defende a profissional.

Muito além do disque-denúncia

A advogada especialista em direito constitucional Erika Xavier, do Escritório Alcoforado Advogados Associados, explica que a legislação brasileira possui amparo aos autistas, mas que na prática, a sociedade ainda não aprendeu a respeitar os direitos desse grupo. “Infelizmente a sociedade ainda age apenas por reação ao medo das punições, inclusive quanto ao respeito às minorias. Por essa razão é fundamental que essa parcela da sociedade seja beneficiada com a criação e implementação de mecanismos que facilitem a defesa de seus direitos e garantias”, completa.

Para a especialista, o disque-denúncia é uma ação eficiente e necessária, porém, não deve ser a única ação proposta pelo o Poder Público. “Não se pode considerar que a instalação de um disque-denúncia seja o suficiente. Deve-se fazer com que as reclamações sejam efetivamente atendidas e os casos de desrespeito adequadamente tratados. Vale dizer: não é suficiente ouvir. É necessário que haja ação dos órgãos governamentais para que os casos de agressão aos direitos dessas pessoas sejam punidos e sejam adotadas as medidas de reparação e de correção do desvio”, finaliza a advogada.