De acordo com professores de Direito e Medicina do Centro Universitário São Camilo, o descumprimento da obrigatoriedade da vacinação é considerado pelo Superior Tribunal Federal como um ato que afronta os Direitos Sociais e Coletivo, seguindo na contramão do exercício do Direito à Saúde
A Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo anunciou, nesta semana, que irá iniciar a vacinação contra Covid de todas as crianças de 6 meses a menos de 3 anos de idade a partir de quinta-feira (2). A imunização nesta faixa etária será feita com as doses da Pfizer baby, vacina da fabricante Pfizer indicada para o público mais jovem.
Com essa nova recomendação, um outro assunto torna-se palco de discussões no País: vacinar ou não as crianças e adolescentes? “Já contabilizamos uma queda de até 60% das taxas de imunização de doenças evitáveis, e não apenas da Covid-19. Este é um índice perigoso e que levanta um questionamento crucial: até que ponto decisões individuais podem se sobrepor ao bem coletivo?”, sinalizou o pediatra Marcelo Iampolsky, professor de Medicina do Centro Universitário São Camilo. Ainda de acordo com o especialista, “ao tomar a decisão de não vacinar nossos filhos, por exemplo, naturalmente estamos colocando em risco a saúde de outras crianças que, de fato, não podem ser vacinadas”.
Entre janeiro e novembro de 2022, 33,1% de bebês e crianças (até 11 anos) atendidos em consultas na atenção básica de saúde pelo país estavam sem a vacinação em dia. Os dados foram retirados do relatório do Sisab (Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica), do Ministério da Saúde.
Do ponto de vista jurídico, o direito à saúde é, acima de tudo, um direito social e de coletividade. “Isso significa que a obrigação de vacinar crianças e adolescentes existe, inclusive está bem descrita no Estatuto da Criança e do Adolescente e em outras legislações, e uma vez que não se cumpra o dever da imunização, a pessoa estará infringindo esses direitos”, explicou a professora de Direito e Medicina também do Centro Universitário São Camilo, Maria Elisa Manso.
O descumprimento da obrigatoriedade da vacinação é considerado pelo Superior Tribunal Federal como um ato que afronta esses direitos, e não é algo que poderia perpassar apenas pela escolha individual, mas ser considerado direito coletivo para o devido exercício do direito à saúde. E tudo isso representa o cumprimento da norma infraconstitucional de vacinação, de acordo com a professora Maria Elisa.
Com a volta às aulas nas redes pública e privada de ensino, as instituições tendem a exigir o calendário vacinal de crianças e adolescentes, conduta que gera ainda mais questionamentos diante de pais e responsáveis que não são favoráveis à imunização. “As discussões versam sobre a obrigatoriedade da vacinação e não sobre sua compulsoriedade. De fato, existe na legislação vigente uma certa margem de liberdade de decisão, contudo, essa flexibilidade coloca em risco o Direito da Coletividade, tornando legítimo que empresas (públicas e privadas) e instituições de ensino, por exemplo, adotem medidas de restrição para impedir que pessoas não imunizadas frequentem determinados lugares e até mesmo a exigir o comprovante de vacinação no ato da matrícula escolar”, esclareceu a médica e advogada.
A exemplo disso, em 2020 foi aprovada a Lei 17.252, que exige apresentação da carteira de vacinação no ato da matrícula e rematrícula em todas as escolas públicas e privadas do estado de São Paulo. Segundo a lei, a carteira deve estar atualizada com todas as vacinas obrigatórias, definidas nos calendários oficiais de vacinação da Criança e do Adolescente, conforme prevê as disposições do Ministério da Saúde e da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. E isso inclui a vacina contra a Covid-19 que, a partir desse ano, fará parte do calendário do programa de imunização nacional, tornando-se obrigatória.
De acordo com a advogada Marina de Neiva Borba, coordenadora do curso de Direito do Centro Universitário São Camilo, “a lei não impede a matrícula do estudante ainda que a carteira de vacinação esteja desatualizada – até porque seria inconstitucional -, mas os pais e responsáveis deverão regularizar a situação em até 60 dias. Caso contrário, o Conselho Tutelar deve ser acionado pelas instituições de ensino”. Nesses casos, os conselhos tutelares podem convocar os pais, mães e responsáveis para orientá-los. Se continuarem se negando ou não autorizando a vacinação dos filhos, podem sofrer processos nas Varas da Infância e Juventude.
“Do ponto de vista da criança e do adolescente, que são hipossuficientes, o entendimento é que os pais têm a obrigação de levá-los para vacinar. Inclusive há uma ação civil, do Ministério Público, em que os pais foram obrigados por lei a vacinar os menores, com risco de multa caso não respeitassem a decisão ou, ainda, com a possibilidade de serem levados para imunização mesmo contra a vontade dos responsáveis legais”, exemplificou Maria Elisa Manso.
A vacinação contra a Covid-19 de crianças de seis meses a três anos incompletos com comorbidades, imunossuprimidos, com deficiência e indígenas, também já foi recomendada no final do ano passado em todo o território nacional, mas ainda não há levantamento oficial de quantos bebês já foram imunizados.
Os benefícios coletivos tendem a superar os direitos individuais quando se trata de imunização mas, como em toda regra há exceção: a legislação descreve que apenas serão dispensados da vacinação obrigatória a criança e o adolescente que apresentarem atestado médico de contraindicação explícita da aplicação da vacinação.