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O acaso vai me proteger: Titãs e a neurociência

por Marco Antonio Spinelli

O título desse artigo é tirado do refrão de uma música dos Titãs que acho bem conhecida: “O acaso vai me proteger/Enquanto eu andar distraído”.

Parece uma coisa tola, não é mesmo? Andar distraído na cidade grande parece apenas uma boa forma de cair num buraco ou ser assaltado. Imagino que a frase tenha uma implicação mais profunda. Andar distraído pode ser uma forma de desligar nossa Mente Intencional, sempre preocupada com suas tarefas e preocupações. Um bom jeito de conhecer essa mente tagarela é tentando silenciá-la, numa Meditação, por exemplo. Isso torna o processo quase infernal, com um pensamento seguido de outro, numa barulheira sem fim.

Os budistas chamam essa Mente de Monkey Mind, a Mente Macaco, que fica pulando de galho em galho, de pensamento em pensamento. A Neurociência chama isso de Rede de Funcionamento Padrão – Default Mode Network. Diz o ditado popular que a mente desocupada é a oficina do Diabo. Pois aí está: a oficina do Diabo é a Rede de Funcionamento Padrão, que fica procurando sarna o tempo todo. O dinheiro vai dar? Esse artigo vai ficar uma porcaria? Os OVNIs derrubados nos Estados Unidos estavam tentando prevenir uma Guerra Nuclear iminente? Não para nunca. Um pensamento puxa o outro, tentando farejar o perigo. Sobretudo, o perigo inexistente. Andar distraído, vendo as pessoas passarem, sentindo a brisa e os barulhos das pessoas tocando suas vidas, pode ser um jeito de desligar o blá-blá-blá de nossos pensamentos. A oficina de angústia de nossas preocupações. Então andar distraído pode significar desligar as preocupações e isso é ótimo. Mas como o Acaso pode me proteger?

Talvez toda a história do pensamento e engenho humano seja uma tentativa de domar o Acaso. O Acaso não costuma ser nosso amigo. Nem a distração. Sistemas de proteção e segurança tentam evitar que que algo ruim aconteça. Tite tentou montar uma seleção na Copa do Mundo que fosse imune ao acaso: todo mundo em sua posição, todo mundo marcando, os mínimos espaços vigiados. Quando a Croácia fechou a entrada de suas laterais, o Brasil dependeu de um lampejo de Neymar para fazer um gol na prorrogação. O time achou que o jogo estava ganho, foi para cima no escanteio, Casemiro não derrubou o croata e pimba, lá veio o acaso, o contra-ataque e o gol dos caras. O acaso não nos protegeu quando estávamos distraídos. E mostrou ao obsessivo treinador que o acaso não pode ser controlado.

A mente preocupada gera um estreitamento de percepção. O medo faz que enxerguemos sempre o perigo e falta de opções de futuro. A mente sincronizada percebe o mundo de uma forma mais ampla e as ideias começam a aparecer. Basta ver a sua capacidade de ter boas ideias quando tem um chefe berrando nos seus ouvidos ou quando você está rindo numa mesa de bar. Alguém já se perguntou porque algumas de nossas melhores ideias aparecem no banho, ou caminhando na praia? A sincronização da mente em uma situação relaxada permite a criação de novas formas de abordar um problema, ou resolver uma dúvida. Berrar ou forçar a barra não cria uma solução mais criativa, que junte vários sistemas de saber e de percepções. Resumindo: o medo e a Adrenalina estreitam sua percepção, o relaxamento e o divertimento geram percepções mais ampliadas. O acaso passa a ser seu amigo, porque aparecem oportunidades que antes não eram percebidas. O Inglês tem um termo muito bacana para isso: Serendipity. A tradução para o Português, Serendipidade, não ajuda a entender o termo. Serendipity é a capacidade de enxergar coincidências felizes, como achar na prateleira um livro antigo com a solução de um problema, ou cruzar num Café com um antigo colega que te oferece um novo emprego. Em estado de relaxamento, estamos mais pertos dos acasos felizes, que Jung chamou de Sincronicidades.

Desligar das preocupações e dos medos pode fazer o Acaso trabalhar para você e isso é uma forma de proteção. Será que os Titãs, em sua poesia, sabiam Neurociência?