Abertura recente de julgamento pelo STJ sobre o acesso a bens digitais em inventário acentua a urgência de regulamentação e reforça a relevância do “inventariante digital” como ferramenta jurídica emergente na sucessão digital

Com a digitalização avançada da sociedade, brasileiros passaram a acumular um novo tipo de patrimônio: ativos intangíveis como criptomoedas, perfis em redes sociais, fotos, vídeos e documentos armazenados em nuvem. Apesar de seu valor econômico ou afetivo, esses bens digitais ainda enfrentam lacunas no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente no campo das sucessões.
O anteprojeto de reforma do Código Civil em tramitação no Senado reconhece essa nova realidade ao incluir, sob a denominação de “patrimônio digital”, ativos intangíveis com valor econômico, pessoal ou cultural. Criptomoedas, perfis monetizados e conteúdos com valor sentimental passam agora a ter previsão expressa de transmissão por herança.
De acordo com o advogado Otávio Pimentel, sócio do PHR Advogados e especialista em Direito de Família e Sucessões, a regulamentação é urgente e necessária. “Hoje temos dois grandes grupos de bens digitais: aqueles com valor econômico, como criptomoedas ou perfis monetizados, e os que têm valor afetivo ou memorial, como fotos e mensagens. A ausência de normas específicas acaba levando muitas famílias ao Judiciário, especialmente em casos de acesso a redes sociais de pessoas falecidas”.
A urgência do tema ganhou reforço com o início de julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Na 3ª turma, foi debatido caso inédito sobre a autorização judicial para acessar bens digitais de uma falecida — arquivos armazenados em computador — durante inventário. A relatora, ministra Nancy Andrighi, propôs a criação de um procedimento judicial com nomeação de um inventariante digital, capaz de acessar o conteúdo com sigilo, listar os ativos e permitir ao juiz decidir quais são transmissíveis e quais devem ser preservados por envolver direitos da personalidade.
“Importante defender a disseminação do testamento como prática cultural, o que ainda não ocorre no Brasil, pois certamente evitaria muitos litígios e impasses judiciais acerca do tema ou, ao menos, auxiliaria nas decisões judiciais a serem tomadas em disputas que se eternizam no Poder Judiciário em inventários e partilhas de bens”, pontua Pimentel.
Mensagens e conteúdo privados, ainda que qualificados como patrimônio digital, podem revelar natureza absolutamente pessoal a merecer a proteção atribuída em outras situações para defesa da privacidade e intimidade do indivíduo. “Por outro lado, algumas redes sociais já contam com uma política bem definida sobre a destinação dos perfis de pessoas falecidas. É o caso do Instagram, que recentemente divulgou a possibilidade de herdeiros de usuário falecido excluírem o perfil ou, se preferirem, transformá-lo em memorial”, explica o advogado.
Enquanto o Código Civil em vigor não contempla essas especificidades — tendo sido formulado há mais de duas décadas —, o debate sobre herança digital torna-se imprescindível. A adoção cultural do testamento digital poderia prevenir muitos litígios, além de fornecer clareza aos herdeiros sobre os desejos do falecido e sobre o destino de seus ativos virtuais.
Como identificar herança digital?
- Mapear ativos virtuais com valor econômico: contas em corretoras de criptomoedas, carteiras digitais e perfis monetizados.
- Considerar bens de valor afetivo ou cultural: álbuns de fotos, vídeos, e-mails e mensagens.
- Observar serviços de armazenamento em nuvem e assinaturas digitais vinculadas ao titular.
- Analisar perfis em redes sociais e plataformas de conteúdo, que podem guardar dados relevantes para familiares e herdeiros.
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