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EUA começam hoje a cobrar “taxa da blusinha”

EUA começam hoje a cobrar “taxa da blusinha”
Foto de AS Photography no Pexels

O que antes era considerado incômodo demais para ser regulado pelos Estados Unidos tornou-se uma força econômica grande demais para ser ignorada.

Entrou em vigor nesta sexta-feira (29) o fim de uma regra comercial americana em vigor desde a década de 1930, que permitia a entrada de mais de um bilhão de pequenos pacotes por ano no país. Com isso, ganhadores e perdedores já começam a surgir, enquanto o aumento de burocracia, custos e tempo afeta o comércio eletrônico global — em mais um capítulo da reconfiguração do comércio internacional promovida pelo presidente Donald Trump.

Desde 2016, o limite para a isenção tarifária, conhecida como “de minimis” (do latim, “pequeno demais para importar”), era de US$ 800 — um patamar elevado para os padrões globais. O número de pacotes isentos de impostos que entraram nos EUA disparou, atingindo quase 1,4 bilhão em 2024, um salto de 600% em uma década, segundo a Alfândega dos EUA (CBP). Estima-se que pelo menos três quartos dessas encomendas vieram da China, com destaque para Shein e Temu.

O modelo caiu no gosto dos americanos durante a pandemia: produtos baratos, com entrega rápida direto da fábrica. Mas a enxurrada de pacotes acendeu alertas em Washington — desde a concorrência desleal com pequenos negócios locais até o risco de entrada de drogas como o fentanil ou produtos oriundos de trabalho forçado.

“Há, de fato, apoio bipartidário”, disse Greg Husisian, chefe da área de comércio internacional do escritório Foley & Lardner, em Washington. “A ideia era facilitar o envio de um pacote de brinquedos de US$ 80 da avó, não permitir que uma empresa chinesa envie dezenas de milhares de camisetas de US$ 12 por dia.”

Os planos para endurecer as regras começaram ainda no governo Biden. Trump concretizou a mudança em maio, ao eliminar a isenção para produtos originários da China e de Hong Kong. Antes disso, cerca de 4 milhões de pacotes isentos chegavam aos EUA por dia; agora, esse número caiu para aproximadamente 1 milhão, segundo um alto funcionário da Casa Branca.

Com a nova regra, pacotes de outros países também passaram a ser tributados e precisam acompanhar documentação alfandegária.

A medida representa uma nova fonte de receita para o governo dos EUA, mas às custas de empresas e consumidores, que arcarão com os novos encargos.

O Escritório de Orçamento do Congresso (CBO) estimou em 2024 que o fim da isenção apenas para produtos da China renderia mais de US$ 23,5 bilhões em tarifas e taxas alfandegárias adicionais ao longo de uma década. Até esta terça-feira (27), a CBP já havia arrecadado mais de US$ 492 milhões com pacotes que antes entrariam sem imposto, segundo um funcionário do governo.

De olho nessa fonte extra de arrecadação, outros países acompanham o caso americano como teste. A União Europeia estuda eliminar sua isenção de € 150 (US$ 175), enquanto o Reino Unido avalia seu limite atual de £135 (US$ 182).

Transportadoras comerciais

Produtos enviados por empresas privadas, como FedEx e UPS, também estão sujeitos a todas as tarifas aplicáveis, incluindo aquelas por setor e por país de origem.

Desde o fim da isenção para China e Hong Kong, transportadoras como UPS e FedEx relataram queda no volume de pacotes entre EUA e China em balanços recentes — afetando uma das rotas mais lucrativas das empresas.

As companhias afirmaram que estão se adaptando, inclusive com a cobrança de taxas extras para lidar com a burocracia alfandegária e os pagamentos de tarifas.

“Já lidamos com volatilidade antes”, disse Mike Parra, CEO da DHL Express Europe, em entrevista este mês. “Essa também vai passar, e o fato é que vamos nos adaptar.”

Mudança de rota

É esse tipo de adaptação que move a Mondo Cattolico, loja de artigos religiosos localizada em frente à Basílica de São Pedro, em Roma. O estabelecimento, que vende terços, velas e colares com crucifixo a turistas de todo o mundo, tem visto crescer a fatia das vendas feitas diretamente para consumidores americanos via internet.

Segundo Fabrizio Enea, gerente de vendas online, a maioria dos pedidos no ecommerce enviados aos EUA gira entre US$ 100 e US$ 200. “Até o fim do de minimis, conseguíamos enviar sem que os clientes tivessem de pagar tarifas ou taxas adicionais.”

Agora, a loja elevou os preços em 20% para cobrir os novos custos — entre eles, tarifas, frete mais caro e taxas alfandegárias. Ainda assim, segundo Enea, a medida compensa para manter a agilidade nas entregas e evitar que os clientes arquem com as cobranças diretamente.

Pedidos suspensos

A interrupção nos serviços postais levou empresas do mundo inteiro a dispararem comunicados a clientes nos EUA, avisando sobre atrasos e aumento de preços.

“A marca dinamarquesa ‘Knitting for Olive’ foi a mais recente a anunciar que não pode mais enviar pequenos pedidos para os EUA, gerando pânico entre os fãs americanos”, escreveu Danielle Romanetti, dona da loja de fios Fibre Space, na Virgínia, em e-mail a clientes na semana passada.

Embora diga que seu estoque está abastecido, Romanetti teme o impacto mais amplo no setor e no senso de comunidade que o comércio online proporciona. Frequentemente, ela descobre novas marcas por meio de clientes que compram diretamente de países como Dinamarca, Espanha e Peru.

Menos opções para o consumidor

A FloraSense, sediada em Chicago, vende sensores conectados por aplicativo que monitoram plantas e avisam sobre necessidade de água ou luz. O CEO Aabesh De afirma que, apesar de importar a maioria dos produtos em grandes volumes, o fim da isenção para produtos chineses já afetou seus planos de expansão e inovação.

De também aponta o impacto de outras tarifas que já haviam levado a empresa a cortar 20% da equipe, por causa das margens apertadas.

O fim da isenção também compromete a variedade de produtos disponíveis aos consumidores.

Antes, era possível lançar um item novo — como luvas de jardinagem — enviando poucas unidades direto da fábrica ao cliente. Sem o de minimis, De diz que precisou cortar 75% dos lançamentos planejados para o próximo ano.