Especialistas explicam os riscos e vantagens de cada modelo
A reversão de doações realizadas em vida por pessoas em estado de saúde debilitado tem ganhado destaque nos tribunais brasileiros, especialmente quando há suspeitas de incapacidade civil ou vício de consentimento. O tema, que envolve aspectos delicados do Direito das Famílias e Sucessões, é objeto de crescente atenção por parte de juristas e familiares envolvidos em disputas patrimoniais.
A advogada Aline Avelar, especialista em Direito das Famílias e Sucessões e sócia do escritório Lara Martins Advogados, explica que a legislação brasileira permite a anulação de doações quando há prova de que o doador não tinha plena capacidade de entender o ato no momento da assinatura, seja por doença, debilidade mental ou influência de medicamentos ou quando o consentimento foi obtido por coação, fraude ou abuso de confiança.
“No caso de doações feitas pouco antes da morte, o Judiciário costuma analisar com rigor se houve pressão indevida ou aproveitamento da fragilidade do doador. A proximidade do falecimento aumenta a possibilidade de vício de consentimento. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reconhecido que a fragilidade física e mental do doador reforça a presunção de vício, cabendo ao beneficiário comprovar a regularidade do ato”, afirma Avelar.
De acordo com a advogada, documentos médicos, como laudos e prontuários, têm papel decisivo nesses processos. “Eles podem demonstrar que, na data da doação, o doador estava sob efeito de sedativos ou sofria de doenças que comprometiam o discernimento. Além disso, medidas protetivas, como aquelas concedidas em casos de violência patrimonial ou psicológica podem reforçar a narrativa de manipulação entre herdeiros, influenciando não apenas a anulação da doação, mas também o inventário e eventuais responsabilizações civis ou criminais”, explica.
Doação em vida x herança
A advogada Mérces da Silva Nunes, especialista em Direito de Família, Heranças e Negócios Familiares, e sócia do Silva Nunes Advogados, destaca que a principal diferença entre doação em vida e herança está no momento da transferência dos bens.
“Na doação, a transmissão ocorre ainda em vida, o que pode facilitar o planejamento sucessório, reduzir conflitos e até gerar economia tributária, especialmente quando feita com cláusulas que resguardem os direitos do doador, como o usufruto vitalício. Já a herança é transmitida apenas após o falecimento, sendo mais simples em casos de patrimônio menor ou famílias sem necessidade de reorganização prévia”, enfatiza a especialista.
Para que a doação seja válida, é necessário seguir formalidades legais. “Bens imóveis devem ser doados por escritura pública e registrados no cartório competente. O recolhimento do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) é obrigatório, e deve-se respeitar a legítima, garantindo que 50% do patrimônio seja preservado para os herdeiros necessários. Bens móveis ou valores podem ser doados por instrumento particular, mas também devem ser documentados para evitar litígios futuros”, ressalta.
Impostos pagos na herança e a nova realidade tributária
O advogado Wagner Oliveira Pereira Junior, especialista em Direito das Famílias e Sucessões, do escritório Michelin Sociedade de Advogados, alerta para as mudanças trazidas pela Reforma Tributária de 2024.
“O principal imposto incidente sobre heranças e doações é o ITCMD, de competência estadual. As alíquotas variam de 2% a 8%, conforme o valor do bem e o estado. Com a aprovação do Projeto de Lei Complementar 68/24, todos os estados deverão adotar alíquotas progressivas. Isso significa que quanto maior o valor da herança ou doação, maior será o imposto pago, até o limite de 8%”, informa o advogado.
Antes da reforma, estados como São Paulo aplicavam alíquotas fixas como 4%. “Agora, a progressividade é obrigatória, o que pode impactar significativamente o planejamento sucessório. Pereira Junior recomenda que famílias considerem antecipar doações antes que as novas regras sejam plenamente implementadas, aproveitando a janela de oportunidade para evitar uma carga tributária mais pesada no futuro”.
Autores:
Aline Avelar: sócia do escritório Lara Martins Advogados, responsável pelo núcleo de Direito de Família e Sucessões. Especialista em Direito das Famílias e Sucessões, Planejamento Familiar, Patrimonial e Sucessório. Presidente da Comissão de Jurisprudência do IBDFAM-GO.
Mérces da Silva Nunes: sócia do escritório Silva Nunes Advogados. Especialista em Direito de Família, Heranças e Negócios Familiares. Mestre em Direito pela PUC/SP.
Wagner Oliveira Pereira Junior: Advogado no escritório Michelin Sociedade de Advogados, pós-graduado em Direito de Famílias e Sucessões pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).