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Xixi na cama: até quando é parte do desenvolvimento infantil

Xixi na cama: até quando é parte do desenvolvimento infantil
Foto de Ketut Subiyanto no Pexels

O desfralde noturno é um dos marcos mais aguardados do desenvolvimento infantil e, ao mesmo tempo, um dos que mais geram ansiedade entre pais e cuidadores.

É fundamental compreender que o controle urinário durante o sono não é uma questão de treino, e sim de maturação fisiológica: envolve a coordenação entre o sistema nervoso central, a capacidade vesical e a produção adequada de vasopressina (hormônio antidiurético), responsável por reduzir o volume de urina produzido à noite.

De acordo com as principais sociedades pediátricas internacionais – como a Academia Americana de Pediatria (AAP), a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e a International Children’s Continence Society (ICCS) -, considera-se enurese noturna (ou seja, perda urinária durante o sono que deixa de ser fisiológica) a partir dos cinco anos de idade.

Até essa faixa etária, o uso de fralda noturna é perfeitamente normal, pois reflete apenas o amadurecimento progressivo dos mecanismos neurológicos e hormonais que permitem reter urina por toda a noite.

Pessoalmente, considero que até os seis anos fazer xixi na casa ainda pode ser vista como fisiológica, desde que a criança esteja tranquila, a família confortável e não haja sofrimento emocional. Nesses casos, prefiro uma conduta expectante, sem antecipar intervenções medicamentosas, acompanhando a evolução natural do desenvolvimento.

Estratégias comportamentais e rotina noturna

Por volta dos quatro aos quatro anos e meio, algumas crianças passam a demonstrar incômodo com o uso de fralda. Nesse momento, costumo orientar medidas simples e práticas:

  • Hidratar bem ao longo do dia, até a hora do jantar, garantindo boa ingestão hídrica;

  • A partir do jantar, reduzir significativamente a ingestão de líquidos ou evitá-los, sempre que possível;

  • Urinar imediatamente antes de dormir;

  • Caso ainda ocorram escapes, tranquilizar e acolher, mostrando que o processo é natural e transitório.

  • Quando, mesmo com essas medidas, persistirem escapes e houver desconforto familiar, os pais podem, antes de se deitarem (geralmente mais tarde do que a criança), levá-la, sonolenta, para urinar. Em geral, ela volta a dormir rapidamente, sem prejuízo do descanso.

Opções terapêuticas quando necessário

Nos casos em que há indicação de tratamento farmacológico, as opções incluem:

  • Desmopressina, análogo sintético do hormônio antidiurético, que reduz a produção de urina noturna;

  • Imipramina, um antidepressivo tricíclico que, em doses muito baixas, modula a resposta do sistema nervoso central ao enchimento da bexiga, reduzindo episódios noturnos (sempre sob prescrição e acompanhamento rigoroso);

  • Acompanhamento psicológico, voltado a diminuir a ansiedade, fortalecer a autoestima da criança e orientar os pais no manejo do quadro.

Perfil e prognóstico

As crianças que demoram mais a atingir o controle noturno costumam ser mais sensíveis e emotivas, e muitas vezes há histórico familiar positivo. Nesses casos, o tempo e a paciência são aliados valiosos. O prognóstico é excelente: a grande maioria adquire o controle completo de forma espontânea com o amadurecimento natural.

Considerações finais

O desfralde noturno é um processo de maturação, não de treinamento específico. Até os cinco anos, é fisiológico para todas as sociedades pediátricas; até os seis, pode ser observado sem preocupação, desde que o ambiente familiar esteja sereno e a criança não se sinta constrangida. A enurese noturna isolada não requer investigação, apenas acompanhamento e orientação.

O papel do pediatra é oferecer segurança, empatia e clareza, conduzindo o processo com leveza e respeitando o tempo de cada criança.