Por Andrea Mottola

Comprar pela internet virou parte da nossa rotina. Do celular à geladeira, de roupas a passagens aéreas, tudo é adquirido com um clique. Mas, muitas vezes, com a mesma rapidez, vem o arrependimento. Para proteger o consumidor nessas situações, o Código de Defesa do Consumidor garante, no artigo 49, o direito de desistir da compra realizada fora do estabelecimento comercial no prazo de 7 dias.
A regra, criada em 1990, cumpre um papel essencial. Mas a grande questão é: ela ainda funciona plenamente em 2025?
O comércio eletrônico mudou em uma velocidade que o legislador da época jamais poderia imaginar. Hoje, não compramos apenas produtos físicos. Consumimos ebooks, assinamos plataformas de streaming, adquirimos cursos online, ativamos licenças digitais e até compramos por meio de lives, em ambientes altamente persuasivos e acelerados. Em muitos casos, o acesso ao serviço é instantâneo, e o consumo é imediato — o que torna a aplicação prática do direito de arrependimento bem mais complexa.
Afinal, como ‘devolver’ algo que já foi usado? Como lidar com um curso cujo conteúdo já foi assistido? Ou com um crédito de streaming já aproveitado? Esses produtos não podem ser repostos em estoque. É justamente aqui que surgem dúvidas, conflitos e, inevitavelmente, judicialização.
Embora o CDC seja claro ao afirmar que o consumidor pode desistir no prazo legal, o texto não dialoga integralmente com as dinâmicas da economia digital. Nada ali foi pensado para assinaturas recorrentes, conteúdos sob demanda ou compras impulsionadas por algoritmos e transmissões ao vivo.
E isso nos leva a um ponto essencial: o direito de arrependimento não pode ser interpretado hoje da mesma forma que nos anos 90. A lei continua válida, mas a sua aplicação precisa ser adaptada à natureza do produto ou serviço. Não é uma questão de restringir direitos, e sim de garantir uma proteção efetiva, que leve em conta as especificidades de bens intangíveis.
Cada vez vemos mais consumidores que tentam exercer o direito de arrependimento após usar, parcial ou totalmente, um serviço digital. Do outro lado, empresas alegam o uso irreversível do conteúdo. Para piorar, muitas plataformas não deixam claro como funciona a política de desistência, criando um ambiente de insegurança tanto para empresas quanto para consumidores.
O live commerce é um bom exemplo dessa vulnerabilidade. Em transmissões com milhares de pessoas, ofertas e estímulos constantes, é natural que o consumidor tome decisões por impulso. Nesses casos, o direito de arrependimento não é apenas justo, mas indispensável para equilibrar a relação.
Diante disso, a discussão necessária não é apenas se o prazo de 7 dias ainda é adequado, mas se devemos pensar em critérios diferenciados para diferentes tipos de produtos. Talvez novas regras para bens digitais. Talvez prazos ajustáveis. Talvez maior transparência obrigatória nas plataformas. O ponto é: a proteção ao consumidor precisa acompanhar a tecnologia.
O direito de arrependimento nunca foi inimigo do comércio. Ele funciona como um mecanismo de confiança — e confiança é o motor do consumo digital. Quanto mais clara, justa e transparente for a relação entre consumidor e fornecedor, mais saudável é o mercado.
A atualização dessa discussão não pode ser adiada. O consumo digital evoluiu, e a legislação precisa evoluir junto.
Andrea Mottola é advogada especialista em Direito do Consumidor e Direito Digital.
