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O que seu filho pode aprender com o álbum da Copa

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Descubra por que colecionar pode ser um ótimo exercício de responsabilidade e organização para as crianças

“Quem tem a 278?”, “Preciso da 463 e da 81”, “Troca repetida por repetida?” Quem passar pelos arredores da Praça Charles Miller, em São Paulo, nas manhãs de domingo, só vai ouvir frases como essas. Normalmente, a multidão que se concentra por ali aos fins de semana é de torcedores que se preparam para a partida no Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho. Mas, há alguns meses, as manhãs têm sido dedicadas à troca de figurinhas do álbum das seleções – e, com a aproximação da Copa do Mundo 2014, os adeptos, compostos por pais, mães e crianças só crescem.

Murilo, de apenas 7 anos, é um deles. Todos os fins de semana o garoto sai acompanhado do pai e dos tios rumo à Praça do Truco, em Sorocaba, interior de SP. Foi lá que ele trocou grande parte de suas figurinhas repetidas por novas e quase completou o álbum. A mãe, Priscila Galvão Barbosa, 33, conta que o filho leva um aprendizado desses momentos, mesmo sem perceber. “Quando ele começou a coleção, não queria trocar nenhuma figurinha, só ganhar. Com o tempo, foi aprendendo que trocar pode ser ainda mais legal porque conhece muitas pessoas com o mesmo hobby. Quando vai à praça, faz amizade até com adultos e idosos que também estão colecionando.”

O ato da troca, que acontece agora com a febre das figurinhas, pode ir além. Neste momento, a criança aprende que pode ter algo “novo” e doar o que não tem mais função para ela sem precisar gastar dinheiro. De quebra, terá a chance de manifestar os desejos e de se comunicar com pessoas diferentes – vai aprender a negociar, ser flexível e lutar pelo que deseja. É importante que você esteja sempre por perto, mas sem interferir nas trocas. Provavelmente, suas noções de justiça na negociação são diferentes das do seu filho. Assim, se ele achar que vale trocar 5 cromos por um brilhante, deixe com ele.

Seguindo essa filosofia, Juliana Neves, 34, leva o filho Luca, 6, ao clube quase todos os dias para ajudá-lo a conseguir novos cromos. E ela acredita que toda essa mobilização vale a pena: “Eu sinto que ele está mais desinibido, já que precisa conversar mais com as crianças para fazer a troca. Agora está até aprendendo a jogar bafo com os mais velhos”.

Paciência foi outro aprendizado para Luca. “Um dia ele estava chorando porque queria uma figurinha brilhante que outro menino tinha. Eu expliquei que ele precisaria esperar para encontrar uma para ele”, conta Juliana.

Essa situação como a de Luca não é incomum, afinal, ao colecionar, seja um álbum, carrinhos ou qualquer outro objeto, seu filho, claro, ficará ansioso para ver um volume bom do que conseguiu acumular. Mas está aí uma oportunidade para ele compreendeer que tudo tem seu tempo e que é preciso lidar com a ansiedade. Esse sentimento, aliás, começa ainda na fase de bebê e está relacionado à rapidez com que ele tem suas necessidades atendidas. Por isso, aos poucos, ajude seu filho a entender que a espera faz parte da vida. Uma dica é: ele perdeu um brinquedo? Não compre outro imediatamente. Como opção, diga para que junte dinheiro em seu cofrinho para, então, adquirir o que deseja.

E se os amigos terminarem a coleção antes dele? Nada de querer amenizar a frustração do seu filho comprando um número ainda maior de pacotinhos, por exemplo. Lembre-se que, ao deixar que seu filho se frustre algumas vezes, sempre com seu afeto e apoio, ele será um adulto mais compreensivo. Crescer sem decepções pode criar a ilusão de um mundo perfeito – e isso trará, no futuro, problemas de convivência e de interação.

Outros ganhos com as coleções

Em uma enquete realizada no site CRESCER, 87% dos 196 pais que responderam à pesquisa estão montando o álbum com os filhos. Por isso, é válido dizer que colecionar figurinhas acaba aproximando ainda mais a família, já que, neste momento, não é raro ver pais, mães e avós ajudando as crianças nesse troca-troca, inclusive com os aplicativos que surgiram por conta da febre dos cromos. “Como o interesse pelo futebol é típico do nosso país, é um assunto que agrada e aproxima as diferentes gerações. A criança consegue conversar de igual para igual não só com outras crianças, mas com o idoso e com o adulto”, explica a psicóloga Rita Calegari, do Hospital São Camilo (SP).

Em vez de se guiar pelo número, Luca sabe as figurinhas que faltam e as que ele já tem só de olhar para o rosto dos atletas. A mãe se surpreende: “Mesmo aqueles jogadores de países que ele nunca ouviu falar, ele sabe”, diz Juliana. Seu filho faz a mesma coisa? Então você pode aproveitar esse interesse para ajudá-lo a pesquisar mais sobre o tema e descobrir novas culturas. Onde fica o Irã? Qual a música típica do Camarões? O que quer dizer o hino da Grécia? Descobrir essas respostas pode ser mais um momento prazeroso em família.
“Vale ressaltar também a satisfação que a criança tem quando completa o álbum. É uma construção, uma conquista que exige esforço, paciência e troca para que a tarefa seja concluída. É um exercício de responsabilidade importante para a criança, além de ser gratificante e uma ótima recordação para quando ela for mais velha”, afirma Rita. Por todo esse entusiasmo, tão logo seu filho complete o álbum, ele pode se engajar para ajudar o irmão, os amigos ou os parentes a conseguirem as figurinhas que estão faltando.

De acordo com a professora Mary Yoko Okamoto, do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade Estadual Paulista (Unesp), coleção remete a valor simbólico, algo que, nos dias de hoje, está cada vez mais raro. “Nós vivemos num mundo onde os bens materiais são muito valorizados. A gente descarta tudo muito rápido porque temos a noção de que as coisas ficam velhas rapidamente também. Acho que o mais importante é a gente ensinar para as crianças que vale a pena se engajar naquilo que tem valor simbólico para a gente”, diz. Por isso, antes de pensar em comprar um novo brinquedo para o seu filho, considere começar uma coleção com ele. Além de engajamento e união, você estará ajudando-o a construir boas recordações para o futuro.

fonte: Revista Crescer