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Revisão dos contratos de locação comercial em época de pandemia

Não se fala em outra coisa e nem se deveria falar.

Vista por alguns especialistas como, possivelmente, o maior evento a impactar na economia mundial desde a Segunda Guerra Mundial, a pandemia causada pela disseminação do Covid-19 e as restrições decorrentes do necessário isolamento social para contê-la, inegavelmente causam e ainda causarão enormes mudanças na vida dos comerciantes, em especial os proprietários de empresas de pequeno e médio porte.

Muitos estados e municípios, preocupados com os efeitos nefastos do surto mundial do chamado “novo coronavirus”, têm expedido decretos que proíbem a abertura de locais onde se prestam serviços tidos como “não essenciais” ao público, permitindo apenas que o trabalho ocorra a portas fechadas, com entrega pré-agendada ou mediante “delivery”, o que, certamente, diminui drasticamente a renda dessas empresas.

Entretanto, tais medidas, baseadas nas orientações dos órgãos competentes e, em especial, da Organização de Saúde, buscam tutelar nosso maior bem: a vida humana.

Quais as saídas, então, estariam ao alcance dos pequenos empresários para minimizar os impactos dessa inevitável crise econômica?

Muitas instituições financeiras vêm suspendendo a cobrança de parcelas de financiamentos contratados, inclusive empréstimos pessoais e afins.

Além disso, é possível que os contratos de locação do imóvel comercial onde funciona a empresa que não estiver produzindo em atenção aos decretos expedidos, ou tenha seu faturamento reduzido, sejam revistos ou, até mesmo, rescindidos.

Como a pandemia mundial representa um episódio absolutamente inesperado e imprevisto, aplicam-se, a tais contratos, a “teoria da imprevisão”, segundo a qual há a “possibilidade de desfazimento ou revisão forçada do contrato quando, por eventos imprevisíveis e extraordinários, a prestação de uma das partes tornar-se exageradamente onerosa”[1].

Assim se extrai dos artigos 317 e 478, do Código Civil, respectivamente:

“quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”

“nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”

Entretanto, considerando que também as atividades do Poder Judiciário estão parcialmente suspensas e que, possivelmente, após o término do isolamento social o empresário terá o intuito de manter seu ponto comercial, a medida mais recomendada para esse momento seria a renegociação amigável do contrato, com base no artigo 18, da Lei de Inquilinato:

“Art. 18. É lícito às partes fixar, de comum acordo, novo valor para o aluguel, bem como inserir ou modificar cláusula de reajuste.”

Não há dúvidas que uma conversa franca, pautada pela boa-fé e mediada por profissionais especializados, seja a melhor forma de reestabelecer o equilíbrio do contrato locatícios diante da atual crise econômica, de modo a evitar que apenas uma das partes venha a suportar, sozinha, os ônus dela decorrentes.

Dentre as possibilidades estão, desde a concessão temporária de desconto no valor do aluguel, compatível à redução do faturamento comercial, passando pela suspensão dos pagamentos com prorrogação para período posterior, até chegar a não aplicação de reajuste no ano de 2020.

Todas essas medidas são absolutamente possíveis de aplicação e se pautam nos principais princípios a reger esses tempos sombrios: a “capacidade de ver o outro como um semelhante, solidariedade e responsabilidade”[2]

[1] Gonçalves, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 3, 9ª ed.. São Paulo : Saraiva, 2012, .p. 52-53, apud STJ, REsp 407.097/RS, rel. Min. Ari PargendlerDJU, 29 de setembro de 2003, pg. 142

[2] @marciatiburi

Por Camila Mattos de Carvalho Ribeiro, advogada e sócia do escritório Fernando Corrêa da Silva Sociedade de Advogados
OAB/SP nº 231.207
camila@fcsadvocacia.com.br