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Regime jurídico emergencial durante a pandemia: entenda os detalhes da nova legislação

A Lei 14.010, de 2020, que cria um regime jurídico emergencial de Direito Privado, durante a pandemia do novo Coronavírus (COVID-19), foi sancionada com vetos pelo presidente Jair Bolsonaro. A publicação da norma ocorreu no último dia 12 e a avaliação da comunidade jurídica é de que os vetos atingiram partes importantes que haviam sido aprovadas pelo Congresso.

A ideia da lei é atenuar as consequências socioeconômicas da Covid-19, de modo a preservar contratos e servir de base para futuras decisões judiciais. Especialistas, porém, avaliam que as alterações promovidas pela intervenção presidencial diminuíram os impactos sociais e econômicos positivos que existiriam, diminuindo a eficácia da nova norma.

O advogado André Beck Lima explica que entre os dispositivos vetados estão: o que limitava a concessão de liminar em ações de despejo; o que dá aos síndicos o poder de restringir o uso de áreas comuns e proibir festas; o que previa que as consequências decorrentes da pandemia nas execuções dos contratos não teria efeitos jurídicos retroativos; e o que afastava o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou a substituição do padrão monetário como causas consideradas eventos imprevisíveis e extraordinários, para os fins de revisão ou resolução contratual prevista no Código Civil.

“A essência do projeto restou retaliada pelos vetos e, em nossa humilde opinião, não teremos profundos impactos sociais com o texto sancionado. Os vetos macularam a espinha dorsal do projeto: o de oferecer respostas legislativas objetivas ao momento ímpar que passamos (pandemia). Perdemos a oportunidade de avançar na segurança jurídica das relações negociais”, argumenta o advogado André Beck Lima.

O processo que resultou na elaboração do projeto de lei aprovado pelo Congresso teve a participação de grandes juristas brasileiros, sob a liderança do Ministro Dias Toffoli do Supremo Tribunal Federal (STF). Entre os nomes de relevância estão o advogado e professor Otavio Rodrigues (USP), o advogado e professor Rodrigo Xavier Leonardo e Fernando Campos Scaff e o Ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Antonio Carlos Ferreira.

“Os dispositivos vetados traziam maior segurança às relações jurídicas contratuais em tempos de pandemia, evitando-se uma indesejada judicialização, que já vem ocorrendo no âmbito dos contratos no Brasil. Ao contrário das razões do veto, não havia contrariedade ao interesse público, mas muito o contrário: a legislação originária visava justamente o interesse comum. Ademais, os vetos foram um grande desperdício ao trabalho sério, acadêmico e legislativo dos envolvidos no projeto”, destaca o advogado André Beck Lima.

Os principais vetos
O artigo 6º da lei previa que as consequências decorrentes da pandemia do Covid-19 nas execuções dos contratos, incluídas as previstas no art. 393 do Código Civil, não teriam efeitos jurídicos retroativos. “Tratava-se de norma que trazia ampla segurança para os contratos, não admitindo que a alegação de caso fortuito, de força maior ou de outros institutos para a extinção ou revisão dos contratos atingisse fatos anteriores ao momento do início da pandemia”, explica Beck Lima.

Já o artigo 7º do projeto afastava o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou a substituição do padrão monetário como causas consideradas eventos imprevisíveis e extraordinários, para os fins de revisão ou resolução contratual prevista no Código Civil. O mesmo se diz a respeito do art. 9º do Projeto 1.179/2020, que limitava apenas o despejo liminar em casos bem específicos. “Essa suspensão temporária – apenas das liminares – visava a manutenção de contratos nesses duros tempos que estamos enfrentando”, comenta o advogado André Beck Lima.

O que foi mantido
Entre as medidas mantidas está a extensão do prazo de abertura e de conclusão de inventários e partilhas. Também está prevista suspensão até 30 de outubro de 2020 do direito de arrependimento previsto no Código de Defesa do Consumidor, havendo validade para entrega domiciliar (delivery) de medicamentos e comida.

A lei determina também que, até 30 de outubro, a prisão civil por dívida alimentícia deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações.

Estão suspensos até a mesma data, segundo consta na norma, os prazos de aquisição para a propriedade imobiliária ou mobiliária, nas diversas espécies de usucapião.

Trâmite
Por conta dos vetos presidenciais, a parte sancionada virou lei e os trechos retirados voltam para a análise do Congresso Nacional (sessão conjunta da Câmara e do Senado). “Se os vetos forem mantidos, a lei fica como está. Se forem derrubados, os trechos antes vetados passam a integrar a lei. Mas a comunidade jurídica não acredita em modificações e derrubadas dos vetos. Provavelmente, a lei deverá ficar como está”, finaliza o advogado André Beck Lima.