Reitor da UFPR e fundador do C3SL, Marcos Sunye discute uma alternativa para a o parque tecnológico do Brasil

O Brasil vive um momento decisivo na definição de sua soberania digital. Enquanto o Supremo Tribunal Federal estabelece marcos regulatórios para que plataformas digitais respeitem a legislação nacional, o país ainda opera sob uma infraestrutura tecnológica majoritariamente privada, estrangeira e opaca. Sistemas que organizam educação, saúde e comunicação pertencem a empresas sediadas no exterior. A pergunta que se impõe é clara: quem controlará o futuro digital brasileiro? Eles ou nós?
Essa dependência não é acidental. Hoje, infelizmente, são os algoritmos de lucro, e não os princípios constitucionais, que determinam como os brasileiros acessam serviços tecnológicos essenciais. Quando a escola pública depende de plataformas estrangeiras, quando dados de saúde são armazenados fora do alcance da legislação nacional, quando o próprio atendimento ao cidadão é mediado por redes privadas, o Estado terceiriza sua função mais básica: servir ao interesse público. É nesse cenário que ganham força os Bens Públicos Digitais (BPDs) — uma ideia capaz de inverter essa lógica e recolocar o bem comum no centro da tecnologia.
BPDs são sistemas, plataformas, bancos de dados e ferramentas digitais criadas com recursos públicos e licenças abertas, voltadas à coletividade. São como o SUS ou o Pix: acessíveis, confiáveis, construídos para servir, não para extrair. Num mundo em que quase tudo passa por telas e conexões, garantir que parte dessa estrutura seja pública e nacional é um gesto de soberania. Sem isso, o país corre o risco de aprofundar desigualdades já brutais, só que agora na camada digital.
As corporações tecnológicas sabem disso e fazem de tudo para evitar que os BPDs prosperem. Sua estratégia é simples: vencer licitações com preços baixos iniciais, depois criar dependência através de tecnologias proprietárias e formatos fechados. O resultado? As administrações públicas ficam reféns de contratos que encarecem renovações e impossibilitam migrações. Professores precisam de contas Gmail para acessar material didático.Prefeituras perdem autonomia sobre dados de seus próprios cidadãos.
Essa não é apenas uma discussão técnica. É política, econômica e existencial. Manter a atual dependência digital é aceitar que a infraestrutura da cidadania seja determinada por termos de uso e não por direitos. Seguir nesse caminho é ceder ao viralatismo. O Brasil tem capacidade técnica e recursos para criar alternativas ao modelo imposto pelas Big Techs. O que nos falta é apenas coordenar a nossa vontade política de soberania.
Por isso, o primeiro passo é a linguagem. Precisamos fazer dos Bens Públicos Digitais (BPDs) uma ideia tão conhecida quanto o SUS, tão útil quanto o Pix, tão querida quanto o Real. Não haverá soberania digital brasileira sem infraestrutura própria, aberta, auditável e gerida com interesse público. Que o Brasil aprenda a amar os BPDs antes que seja tarde.
Marcos Sfair Sunye, reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), professor titular do Departamento de Informática (DINF-UFPR) e fundador do Centro de Computação Científica e Software Livre (C3SL).
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